'O humor é uma grande ferramenta para entregar conteúdo às pessoas'

Nerd assumido, o comediante criou a fórmula da criatividade e levou o stand up ao mundo empresarial. 'O problema do brasileiro é que ele tem medo de fracassar

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colunista convidado
Por Sonia Racy
Atualização:

Ele é fã de Seinfeld (“pela capacidade de observar as minúcias do cotidiano”) e George Carlin (“esse realmente me ensinou muito, por causa dos jogos de palavras, da sonoridade do texto”). Mas, até a colação de grau da faculdade de Administração de Empresas, no Recife, onde nasceu, jamais havia contado uma piada. O humorista Murilo Gun, conhecido por apresentar o programa República do Stand Up no canal pago Comedy Central, é, antes de tudo, um nerd profissional.

O humorista Murilo Gun Foto: Iara Morselli/Estadão

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Exemplo? Aos 13 anos, abriu sua primeira empresa, de criação de sites. E outra de entrega de refeições via internet. Hoje, aos 32, acaba de voltar do Vale do Silício, onde estudou por dez semanas na Singularity University (“me formei em futurologia”, brinca). Na bagagem, muitas ideias para aplicar a suas apresentações - baseadas em uma fórmula, criada por ele, para multiplicar a criatividade.

Criatividade é, diga-se, um mantra para o rapaz. Há quatro anos, Murilo descobriu um filão do stand up: a palestra bem-humorada (“mas com conteúdo”) voltada a empresas. Faz cerca de 150 por ano, o que lhe permite algumas liberdades, como não depender da televisão para ganhar a vida, o que não é pouco nesse ramo.

Apesar de querer voltar para o Recife (ou talvez por isso mesmo), ele mantém ritmo alucinante, como se o pano do espetáculo estivesse sempre pronto a subir. Além de dar aulas de criatividade na Fiap e na Perestroika, mantém aberta a agenda de shows no Hotel Renaissance, às sextas-feiras (ao lado de Mauricio Meirelles e Fábio Rabin), prepara-se para escrever um livro sobre Comedy Thinking e quer levar seus cursos para a internet, em formato de vídeo. 

Como as madrugadas de domingo para segunda-feira ainda estão vagas, ele vem gestando a ideia de ter um filho. Se sua mulher já concordou? “Vai ser a última a saber”, brinca. Soterrado por tabelas, post-its e canetinhas coloridas (e manuseando, sem parar, um cubo mágico esverdeado), ele conversou com a coluna em seu apartamento em Moema.

Você começou cedo, né?

Aos 13 anos, em 1995, a internet ainda estava começando, eu criei uma página pessoal na web, Guns Hot Page, na qual eu colocava músicas, piadas e... as páginas escaneadas da Playboy. A revista não tinha site ainda, então minha página bombava. Ganhei o prêmio Ibest dois anos seguidos, 1997 e 1998. 

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Ficou famoso?

Cheguei a ser entrevistado pelo Jô Soares, rapaz.

 

O site era bom mesmo?

Não, a internet é que não prestava (risos). Eu era o campeão da Série B... Mas a verdade é que ganhei visibilidade e comecei a levar a sério o assunto. Montei uma produtora de sites. Era um negócio novo, muito legal. O Brasil vivia um boom nessa área, e eu estava atrás de investidores. Acabei inventando também o primeiro site do País dedicado a delivery. Os pedidos dos clientes chegavam aos restaurantes via pager, imagina isso? Consegui mais de R$ 1 milhão em investimento na época. 

E não deu certo?

Não deu, porque a empresa de pager faliu seis meses depois. (risos) Logo em seguida, a bolha da internet estourou. A gente quase ficou rico, mas acabou se ferrando! Aí fui fazer supletivo e entrei na UPE, em Administração de Empresas. 

Quando o nerd Murilo Gun encontrou o humorista Murilo Gun?

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Quando fui eleito o orador da turma na colação de grau da faculdade. Queria fazer um discurso divertido. Eu era um nerd total, workaholic, fumava uma carteira e meia de cigarro por dia e nunca tinha contado uma piada na vida. Ou seja, estava no caminho da morte… Pois então, para fazer o texto, fui estudar por que as pessoas riem, livros sobre a teoria do humor…

Praticamente um Sheldon, de Big Bang Theory!

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Aquele discurso se tornou um marco na minha vida. Ver as pessoas rindo do meu texto me deixou emocionado. Não apenas os meus amigos de turma, mas os pais deles, gente que não me conhecia. 

Bom, o stand up engatinhava no Brasil na época.

Foi um timing incrível. Rafinha Bastos, Diogo Portugal, Oscar Filho se apresentavam no Mr. Blues, um barzinho na Avenida São Gabriel, aqui em SP. Fiquei sabendo e mandei um e-mail, queria participar. Eles me pediram que enviasse um texto de cinco minutos. Mandei para o Marcelo Mansfield, que também fazia parte da trupe. E ele gostou. Peguei um avião e vim para cá. 

Quando você percebeu que poderia levar o stand up para o mundo corporativo?

Esse foi o grande insight da minha vida. Porque eu fazia muito show, ganhava algum dinheiro, rodava o Brasil... fui o primeiro a fazer stand up no Recife, por exemplo. Mas ficava pensando: “Que vida de corno, essa!” Foi quando me veio a ideia de levar o humor ao mercado corporativo. 

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É mais fácil ou mais difícil fazer humor nas empresas?

Mais difícil. Porque quem sai de casa para ver stand up está propenso a rir. Já em uma convenção de empresa, muitas vezes o cara que está na plateia acabou de levar a maior bronca do chefe por não ter batido a meta. Ele não está no clima… Fora que, de vez em quando, te colocam para fazer o show em ambientes que não ajudam, tipo durante o jantar…

Como se fosse um cantor de churrascaria?

Isso… E aí você tem um problema insolúvel. Porque, para mim, humor existe para descontrair. E, para descontrair, tem de haver contração. Em um jantar, não há contração, porque já é legal. O cara está num resort na Bahia comendo do melhor, a cerveja é free… ele não quer saber de humorista enchendo o saco!

 

Por isso você criou o stand up com PowerPoint?

Para migrar para a plenária. Passei a subir no palco depois de um monte de palestrante mala. O que é ótimo, porque eu quero é plateia contraída.

Como você se prepara para os shows em empresas?

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Vou atrás de saber os pontos que podem render boas piadas, marco reunião com os diretores, para conhecer as necessidades deles, entender como é o evento no qual eu vou me apresentar. Acabei me tornando o comediante que mais faz eventos corporativos no Brasil. Não o que mais ganha dinheiro, infelizmente. (risos) 

Quantos?

Uns 150 por ano. É o que me permite viver sem depender da televisão. Televisão é bom, mas depender dela é muito ruim! Eu, hoje, não dependo de ser famoso para ter sucesso, o que dá um alívio imenso. Porque ser famoso é uma variável que você não controla…

Olha o nerd aí de novo.

Pois é… A partir do momento em que transformei a minha apresentação em palestra, comecei a criar conteúdos especiais sobre criatividade, inovação e empreendedorismo. Foi um jeito de sair do centro de custo de entretenimento para o de educação, a palestra virou treinamento. Porque o humor é uma grande ferramenta para você entregar conteúdo. 

As pessoas tendem a prestar mais atenção?

Com certeza. Até porque não se pode culpar o receptor. Quer dizer, se eu faço uma piada em um show de stand up e ninguém ri, a culpa é da plateia? Não funciona assim. Quando isso acontece, o problema é do emissor ou da própria mensagem. Por isso que, há uns dois anos, comecei a customizar conteúdo para as palestras. 

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Você também tem um curso de criatividade?

É um curso cujo objetivo é desmitificar o tema, porque ele é meio vago, subjetivo, cheio de mistérios. Então, resolvi fazer uma engenharia reversa. E descobri que criatividade é uma ciência. Nada a ver com inspiração, com arte… Existem métodos para ser criativo, existem estratégias. Criei até uma fórmula da criatividade: -B+(HxT) sobre P. Sendo que “-B” significa eliminar os bloqueios, as crenças limitantes; H são os hábitos, que devem ser multiplicados pelas Técnicas; e tudo isso, dividido pelas etapas do Processo criativo. Esse é o curso que eu mais dou hoje em dia. Faço muita sessão de desbloqueio criativo, pirando a galera, mesmo.

Quem são seus principais clientes hoje?

Itaú, Shell, Locaweb, HP e Paquetá, um grupo de calçados do Sul. Faço muitas coisas para eles. E estou sempre em busca de novidades, sou irrequieto.

Por isso foi estudar na Singularity University? 

Exato. A Singularity é uma escola de futurismo no Vale do Silício, mantida pela Nasa e pelo Google. Lá eu tive uma experiência incrível. Foram dez semanas de criatividade total, estudando as tecnologias com mais potencial de crescimento exponencial, como robótica, inteligência artificial, impressão 3D, chips subcutâneos, energia infinita. O ponto de partida é a Lei de Moore (Gordon Earle Moore, cofundador da Intel), segundo a qual a cada 18 meses as tecnologias duplicam a performance e reduzem os custos operacionais pela metade.

Por que não temos uma Singularity aqui no Brasil?

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O brasileiro é conhecido por ser muito criativo, mas não é inovador. Inovação é a capacidade de empreender a partir da criatividade. O americano talvez não seja tão criativo quanto o brasileiro, mas consegue empreender mais. Outra coisa importante: lá fora, eles têm uma cultura de valorização do fracasso. No Vale do Silício, um cara que faliu cinco startups - contanto que por motivos diferentes e sem desonestidade - tem um grande currículo. Porque ele está mais próximo de acertar, conhece cinco maneiras de como não fazer. É uma tecnologia adquirida. Aqui no Brasil, a mãe teria vergonha dele. A gente está muito longe da capacidade deles. É a mesma diferença que existe entre o stand up lá nos EUA e aqui...

Por falar nisso, haverá uma segunda temporada do República do Stand Up?

Eu gostaria, mas o Comedy Central ainda não está se movimentando para isso. Se pintar, vou precisar de tempo para escrever o texto das minhas entradas. Parece pouca coisa, mas são 80 minutos de piadas. Eu teria de voltar ao circuito de stand up uns três meses antes de gravar. 

Tem intenção de criar um terceiro show de stand up?

Tenho, sim. E vai ser com PowerPoint! Atualmente, viajo com o show Tentativa e Erro. E meu primeiro stand up (Propaganda Enganosa) está no Netflix e no YouTube (onde já bateu os 10 milhões de views). 

E na internet?

Estou preparando uma versão em vídeo do meu curso de criatividade: Fórmula da Criatividade. Quero dar o start em fevereiro.

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Por que fevereiro?

Porque preciso escrever um livro primeiro, e tirei janeiro para isso. Vai ser sobre o que eu chamo de Comedy Thinking, como o jeito de pensar dos humoristas pode ser canalizado para coisas realmente importantes, para melhorar a gerência do seu empreendimento, por exemplo. Porque os comediantes são muito bons em perceber o que ninguém percebe. E muito bons também em dar a cara a tapa, em aceitar o irracional, o paradoxal. Muito do que vou escrever eu trouxe da Singularity. Pretendo lançar o livro também em inglês, lá na Nasa. Além disso, continuarei dando aulas na Perestroika e na Fiap, Criatividade Para a Solução de Problemas. Ah, e tenho palestras já agendas em várias cidades do mundo, graças aos contatos que fiz no Vale do Silício. Rapaz, estou com uma tabela de Excel bem extensa para 2015. (risos)

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